22 abril 2021 Direito na saúde

A TRAGÉDIA ANUNCIADA

Somam mais de 360 mil mortes de Brasileiros em razão da Covid 19, além de   mais de 13 milhões de infectados no Brasil, o que é um verdadeiro quadro de horror.

Em 20 de agosto de 2020, através da Recomendação n. 54, o Conselho Nacional de Saúde, constatou que quando do aparecimento da Covid-19 no início do ano de 2020, em 90 dias foram consumidos os medicamentos que compõe o chamado “Kit Intubação” (sedativos e paralisantes musculares).

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde-CONASS e Conselho Nacional de Secretarios Municipais de Saúde - CONASEMS, no ano de 2020 já haviam notificado o Ministério da Saúde, informando a gravidade da situação e a  falta de sedativos para intubação[1].

Na recomendação técnica n. 54 o Conselho Nacional de Saúde, chama a atenção a manobra do Governo na “Operação Uruguai II”, orquestrada em 12.08.2020 pelo Ministério da Saúde para aquisição dos medicamentos dos “Kits Intubação”, que foram cancelados, sem qualquer justificativa do Governo Federal.

E prevendo um desequilíbrio entre a demanda e oferta dos medicamentos que compõe o “Kit Intubação”, recomendou em caráter de urgência que o Ministério da Saúde, tomasse providências efetivas para a aquisição dos medicamentos e insumos, o que não foi atendido[2].

Portanto, tratava-se de tragédia anunciada a falta de medicamentos e insumos para intubação, cujo alerta para aquisição em regime de urgência, se deu há 7 meses.

A manobra do Ministério da Saúde, que durante a gestão do ex Ministro Eduardo Pazuello, requisitou administrativamente em março de 2021, os insumos e medicamentos do “Kit Intubação”, com o objetivo de centralizar a aquisição e proceder a distribuição aos entes federativos, teve como objetivo apenas uma cortina de fumaça nos caos já instalado, ressaltando a crise do desabastecimento que já era conhecida, e não mais havia tempo hábil para estoques suficientes para atender a demanda.

O Governo Federal agiu negligentemente em não atender a recomendação técnica n. 54 do Conselho Nacional de Saúde, não adotou política de profilaxia para evitar o aumento da contaminação pela Covid-19, não agiu com  eficiência para aquisição e  logística de distribuição através do SUS- Sistema Único de Saúde dos medicamentos e insumos do “Kit Intubação, contribuindo para a desassistência da saúde.

Todo cidadão tem o direito de viver livre de danos, e não se está culpando o Governo Federal pela Pandemia. Entretanto o Governo Federal deve ser  responsabilizado pela má condução no combate eficaz da crescente Pandemia, pela falta de insumos para intubação orotraqueal dos acometidos gravemente pela Pandemia, da falta de vacinas para imunizar a população, da falta de medidas profiláticas para combater a disseminação do vírus, enfim...

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, expressa em seu artigo 3º:  a- “A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade; b- Os interesses e o bem estar do indivíduo devem ter prioridade sobre interesse exclusivo da ciência ou da sociedade”.

 

Estabelece ainda, que deve ser garantido o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais ao Ser Humano[3], entendendo ainda que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano.

 

Inobstante nossa Constituição Federal conclamar que a saúde é um direito de todos e dever do Estado[4], o que se constata é o desrespeito à população que está desassistida, morrendo por falta de medicamentos, por falta de vacina para imunização, resultante de uma política desastrada e negligente do Governo Federal.

Já tive oportunidade de mencionar em artigo pretérito que os representantes do Governo Federal (sua excelência o Presidente da República e o ex  Ministro da Saúde), devem ser responsabilizados  pelos danos causados à população, pela falta políticas sociais efetivas para o combate do caos instalado no País.

O desprezo às inúmeras perdas de vidas humanas no País, tem tornado a judicialização da covid 19, um caminho para o difícil equilíbrio do respeito à vida livre de danos, e o judiciário tem sido o eficiente divisor de águas para exigir o respeito e  cumprimento dos direitos fundamentais da população.

O quadro político do País, nos remete ao pensamento de Oliver Thomson[5], quando relata que “o controle social é efetuado através dos canais habituais da fofoca, do ridículo e do egoísmo esclarecido, com os parentes desempenhando importante papel de manter o indivíduo na linha”.

Há 1800 AC, o Código de Hamurabi, já preconizava a importância da proteção aos mais fracos[6], com os dizeres: “Que a Justiça se manifeste na terra, para destruir os perversos e malfeitos e para evitar a opressão dos fracos”.

A dor dos familiares que perdem seus entes queridos por falta de insumos e fármacos para intubação, ou que assistem estarrecidos, seus familiares receberem um tratamento de saúde inseguro e desumano, poderão pleitear do Governo Federal indenizações cíveis.

E sendo o direito à vida inviolável, inegociável e absoluto, não se pode admitir que a população continue sendo desassistida, desamparada e negligenciada.

Santo Agostinho[7], cansado de ver o mal triunfar, confessou: “Quem desembaraçará este nó tão enredado e emaranhado? É asqueroso, não quero fitar nem ver.

Está na hora do Governo Federal entender que o princípio basilar da dignidade da pessoa humana preconiza que o Estado vive para o Homem e não o Homem vive para Estado. 

 

 

[1] Informativo contido na Recomendação Técnica n. 54 do Conselho Nacional de Saúde.

[2] Recomendação Técnica n. 54 do Conselho Nacional de Saúde.

[3] Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos- art. 14 – Responsabilidade Social e Saúde

a- A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade.

b- Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:

(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano.

[4] Art. 196 CF- A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços por sua promoção, proteção e recuperação.

[5] THOMSON, Oliver-em  A Assustadora História da Maldade.

[6] THOMSON, Oliver- obra citada

[7] Santo Agostinho- em Os Pensadores no título Confissões

Nilza Sacoman

Nilza Sacoman Advocacia