03 setembro 2021 Direito na saúde

O SOFRIMENTO PSÍQUICO E A AUTONOMIA CORPORAL

Os transtornos mentais sempre acompanharam a humanidade e sua evolução. Na idade média os denominados “loucos”, eram enviados para leprosários, e até o século XVIII o conceito de demência era toda forma de desrazão originada do sistema nervoso[1].

Os termos mania e melancolia foram cunhados no século XVI, atualmente denomina-se mania as neuroses obsessivas compulsivas, já a melancolia foi ao longo dos séculos definida como depressão.

Fhilippe Pinel (1745-1826), foi o precursor da primeira reforma psiquiátrica que se deu na França, proporcionando aos portadores de doenças e transtornos mentais um tratamento mais adequado.

Jean Etienne Esquirol (1772-1840), lançou na França o primeiro curso para tratamento de doenças mentais, instaurando assim uma nova visão sobre as doenças mentais, humanizando o tratamento psíquico.

Emil Kraepelin (1856/1926), psiquiatra alemão, definiu pela primeira vez as enfermidades psíquicas em: psicose maníaco-depressiva, demência precoce, demência senil e outros.

Franco Basaglia após a 2a guerra mundial, deu início na Italia á 2a reforma psiquiátrica, ressocializando os institucionalizados.

Sigmund Freud, criou a psicanálise, revolucionando o tratamento das doenças e transtornos mentais, desmistificando a figura da “loucura”, trazendo novas luzes sobre o sofrimento psíquico.

No Brasil desde a criação do primeiro hospício por D. Pedro II, muito se evoluiu na intenção de criar um olhar humano sobre o sofrimento psíquico. 

No ano de 2001 surge a Lei 10.216, conhecida como Lei Antimanicomial, que tem como objetivo políticas de proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, visando em seu artigo 2o: : a- acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde; b- proteção contra qualquer forma de abuso e exploração; c- garantia de sigilo nas informações prestadas; d- direito á presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; e- livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; f- direito ao maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; g- tratamento em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e h- tratamento em serviços comunitários de saúde mental.

Em 2011 foi instituída a Portaria 3.088, que trata da Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas - criação dos caps- Centro de Atenção Psicossocial.

Em 2012 a Portaria 148 do Ministério da Saúde, visa o tratamento de pessoas com sofrimento ou transtorno mental em razão do uso de álcool, crack e outras drogas.

Em 2019 surge a Lei 13.840, que alterou a Lei 11.343/2006, instituindo políticas públicas para o usuário de drogas. 

Em 2019 é criada a Lei 13.819, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, instituindo Política Nacional de Prevenção da automutilação, tais como: a- promoção da saúde mental, b- prevenção a violência autoprovocada, c- controle dos fatores determinantes e condicionantes da saúde mental; d- garantia ao acesso a` atenção psicossocial; e- informação e sensibilização da sociedade sobre a importância e a relevância das lesões autoprovocadas; f- promoção a articulação intersetorial para a prevenção do suicídio; g- promoção a notificação de eventos, o desenvolvimento e o aprimoramento de métodos de coleta e analise de dados sobre automutilação, tentativas de suicídio e suicídio e h- promoção a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde em todos os ni´veis de atenção quanto ao sofrimento psíquico e ás lesões autoprovocadas.

Inobstante todo o avanço até então, a situação da saúde mental é alarmante, segundo dados colhidos pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho - ANANT, a saúde mental tem sido um grande fator preocupante em todo o mundo, sendo que a o transtorno de ansiedade já atinge 260 milhões de pessoas. 

A Organização Mundial de Sau´de em estudo no ano de 2015, constatou que 9,3% da população Brasileira sofre de transtorno de ansiedade.

O IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, realizou uma pesquisa nacional de saúde no ano de 2019, e constatou que 16,3 milhões de Brasileiros com mais de 18 anos sofrem de depressão

O levantamento feito pela Vittude (plataforma online voltada para a saúde mental e que presta serviços de terapia online), realizou uma pesquisa com 492.790 pessoas no período de 04.10.2016 e 23.04.2019, constatando que: a- 37% apresentam stress severo; b- 59% apresentam estado severo de depressão; c- 63% apresentam ansiedade severa.

Em pesquisa realizada pela Fiocruz, sobre a saúde mental do trabalhador, constatou que antes da pandemia causada pela covid 19, a sau´de mental da população já era um quadro preocupante, tendo eclodido a incidência de transtornos mentais com o advento da pandemia. 

Dois projetos de Lei tramitam na Câmara dos Deputados: a- Projeto de Lei 5.469/2020 que visa criar campanha permanente de orientação, informação, prevenção, tratamento e combate á ansiedade e á depressão; b- Projeto de Lei

4.592/2016 que visa instituir o Dia do Enfrentamento á Psicofobia, com celebração nacional. 

E inobstante nossa carta constitucional, garantir o direito á saúde, e o dever do Estado em criar políticas públicas para proporcionar melhor qualidade de vida á população, pouco se tem feito para o bem estar social.

É certo que houve uma grande evolução desde o início do primeiro hospício no Brasil, e que a doença e o transtorno mental, não mais são tratados desumanamente. Entretanto não há efetiva política governamental para atender os portadores de sofrimento psíquico, pois quando acometidos do mal, ficam desamparados e somente aqueles que são contribuintes do sistema público previdenciário conseguem em casos severos o auxílio doença ou mesmo a aposentadoria.

Não existem outros apoios financeiros e nem acolhimento social e multiprofissional, durante o sofrimento psíquico, e tratando-se de um transtorno silencioso é ainda incompreendido pela População.

É certo que a população pode contar com o atendimento á saúde, através da rede pública (SUS- sistema único de saúde), que embora importante, não é o suficiente.

A pessoa portadora de ansiedade, depressão e outros transtornos, mesmo que provisoriamente, precisa de apoio multidisciplinar e nem sempre a rede pública de saúde tem estrutura e recursos humanos. 

Resta uma pergunta sem resposta: Como garantir a autonomia corporal daquele que enfrenta um sofrimento psíquico, sem acesso a políticas reais e efetivas de garantia do emprego, benefícios financeiros e sociais?

Urge o tempo em que o Governo precisa lançar um olhar mais empático á população, para que o acesso integral á saúde seja realidade e não um sonho distante. 

Ainda ha trevas, há dor, há preconceito, há desrespeito, há indiferenção... 

[1] FOUCAULT, Michel- História da Loucuras

Nilza Sacoman

Nilza Sacoman Advocacia