20 outubro 2021 Direito na saúde

Saúde pública e as novas demandas do consumidor

Na década de 1920 o atendimento médico hospitalar, começou se organizar surgindo as caixas de aposentadoria e pensões CAPs. Entidades geridas por trabalhadores de determinadas empresas, que ofereciam aos seus associados: aposentadoria, remédios e assistência médica. 

Posteriormente os CAPs foram incorporados aos Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPS (que contava com as contribuições dos empregados, empresas e governo federal), mantinham seu próprio regulamento e os  benefícios ficavam a cargo de cada empresa, ou seja um funcionário do Banco do Brasil, era muito mais beneficiado do que um funcionário de um determinado seguimento de  indústria, isto porque em tese a instituição do Banco do Brasil detinha melhor condição financeira para custear o Instituto, o que contribuía para muita distorção. 

Na década de 1950, o Governo Federal, através do INPS- Instituto Nacional de Previdência Social, realizou a incorporação dos diversos institutos (IAPs), época em surgiram os primeiros planos de saúde. Os atendimentos de Saúde ficavam sob o encargo do INAMPS- Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, onde poucos tinham acesso, cerca de aproximadamente 45% da população na década de 1980. 

Aqueles que detinham registro em CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social, eram beneficiários do INAMPS, bem como seus dependentes, com acesso aos hospitais próprios do INAMPS e aos conveniados. O sistema era financiado pelas empresas e pelo Governo Federal. 

A parcela da população com condições financeiras privilegiadas, arcavam às próprias expensas com os custos de cirurgias, consultas e exames, ou adquiriam contratos de plano de saúde, obrigando-se a aceitar cláusulas de adesão, sem o respeito ao fim social do contrato ou mesmo a equidade contratual.

Grande parte da população que não exercia trabalho com carteira assinada, ou não tinha acesso ao plano de saúde, ficava totalmente desassistida, dependendo da caridade de entidades filantrópicas.

O INAMPS até 1988, era subordinado ao Ministério da Previdência e Assistência Social, o Ministério da Saúde tinha um papel de menor relevância, administrando alguns hospitais especializados em tuberculose e transtornos mentais, e sua principal incumbência era a prevenção, através de campanhas de vacinação em massa e controle de doença endêmicas como a dengue.

Com a Reforma Constitucional em 1988, o direito à saúde passou a ser um dever do Estado e direito do cidadão, trazendo um divisor de águas, e a população até então desassistida, passou a ser amparada constitucionalmente para um estado pleno de saúde, e não mais dependendo da caridade de instituições filantrópicas.

Em 1990, foi criado o SUS- SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, através da Lei Orgânica 8080/90 e daí seguiram diversas políticas públicas para atender a população hipossuficiente, tais como: a- em 1994, o lançamento do Programa “Saúde da Família” (equipes de médicos, enfermeiros e agentes de saúde), passam a visitar a população em especial os mais vulneráveis; b- em 1996, o Governo Federal distribui gratuitamente o coquetel antiaids; c- em 1997, foi  instituído o Sistema Nacional de Transplantes, e a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), para custear a saúde; d- em 1998, através da Lei n. 9.656 os planos de saúde passam a ser regulamentados; e- em 1999, através da  Lei n. 9.782 é criada a ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária; f- em 2000, através da Lei 9.961 é criada a ANS- Agencia Nacional de Saúde,  e aprovada a Emenda Constitucional n. 29, que prevê valores mensais que a União, Estados e Municípios devem aplicar em saúde (o SUS passa então a ter financiamento garantido pelos entes federativos); g- em 2001, foi aprovada a Lei 10.216 que trata da reforma psiquiátrica; h- em 2003, é lançado o SAMU- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, através do telefone 192; i- em 2006, é lançado o programa de farmácia popular, para distribuição gratuita de remédios em farmácias privadas e ou compra com descontos; j- em 2011, foi aprovada a emenda constitucional n. 29, regulamentando que verbas destinadas ao SUS, não podem custear despesas de saneamento básico, aposentadoria de servidor público e merenda escolar; k- em 2013, é  lançado o programa mais médicos, para atendimento nas regiões com escassez destes profissionais.

Atualmente 166,8 milhões de Brasileiros, utilizam os serviços do SUS, que conta com 11.989 postos de saúde, 406 hospitais dias, 6.528 hospitais públicos, 75 laboratórios públicos e 32.081 equipes de saúde da família, o que ainda é muito pouco para uma população de aproximadamente 214,8 milhões de habitantes.

O Brasil investe tão somente 4% do PIB- Produto Interno Bruto, em saúde, comparado ao gasto com saúde pública e privada em Países desenvolvidos que chega a 9,2% do PIB.

Tramita desde 2013 na Câmara dos Debutados, um Projeto de Lei (Saúde +10), que estipula o percentual de 10% das receitas Brutas da União para gastos com saúde, e até hoje não foi apreciado.

Em 31 anos de existência do SUS, tivemos grandes avanços, mas os desafios são imensos, nossa população de idosos atinge o número de 21 milhões, e este número deverá crescer exponencialmente nos próximos 20 anos.

As demandas do consumidor, tende a aumentar: a- primeiro, pela expectativa de aumento de vida; b- segundo, pelo envelhecimento da população; c- terceiro, pelo aumento da pandemia de obesidade; d- quarto, pelas novas tecnologias que surgem, tais como a internet das coisas, inteligência artificial e a revolução digital.

E como entregar um atendimento de qualidade à população com acesso as novas tecnologias num País continental, tão desigual e com grandes diferenças sociais?

O mercado já oferece a teleconsulta, teletriagem, teleorientação, telediagnóstico, telemonitoramento, teleconferência cirúrgica, telecirurgias, exames nucleares, enfim.

E sendo a saúde um dever do Estado, o usuário do sistema de saúde público tem o direito ao melhor tratamento de saúde, que implique em menor dano, e sem dúvida a tecnologia surge como um alento. 

Entretanto é preciso que no atual sistema descentralizado do SUS, haja melhor gestão de recursos, prontuário unificado, capacitação das equipes envolvidas (técnicas e multidisciplinares), maior investimento no financiamento da saúde pública, a fim de democratizar as novas tecnologias à população. 

O usuário do SUS, deve ser demandado na divisão de responsabilidades, sob três pilares através: a- da força medicamentosa da natureza; b- ajuda da ciência através da Inteligência Artificial e c- Determinação ativa e consciente do paciente, na intensificação da prevenção e qualidade de vida.

Portanto, urge o tempo para que nossos gestores Federais, Estaduais e Municipais, atentem para a necessidade da implantação do pleno estado de saúde à população, através de políticas sérias para o bem-estar social, pois senão tudo não passa de falácias e vãs promessas.

Nilza Sacoman

Nilza Sacoman Advocacia